From deep inside...

30.6.08

uma estória

“A noite envolvia-me como uma fotografia descolada da moldura” enquanto dentro de mim haviam anjos e demónios que insistentemente insistiam numa luta desigual. Não adiantava ouvi-los mais. A escolha tinha sido feita e nenhum dos dois levara a melhor. Agora só restava esperar … esperar… Esperar, sem parar. Faltavam apenas minutos para que ela saísse. Trabalhava ali desde que a mãe tinha partido para viver a sua vida sem “bandulhos” como ela tão pomposamente chamava aos seus filhos. Filhos? Sim, filhos. Sara tinha dois irmãos que mais do que isso, eram os seus cães de guarda, de dentes sempre arreganhados ao mínimo sinal de aproximação. Ela, impunemente fomentava essa pequena matilha pessoal.
Dava jeito!

Muitas vidas, dos muitos que por ela se apaixonavam, se rendiam à morte encomendada. Já não havia mais nada. Para mim, mais nada! Só a madrugada que anunciava o sol ainda por nascer. Conseguiria eu ainda o ver? O ar da noite ainda era intenso e não me dava qualquer indicio. Ninguém, nenhum de nós ia vencer mas isso não implicava necessariamente perder. O anjo que me salvava, combatia o demónio que me tramava. Ambos demasiado ocupados a combater para conseguirem perceber o que eu tinha decidido. Estava decidido…

Acendo um cigarro na tentativa de poder ver o tempo passar e passou. Assim que acendi o lume, ela saiu com os seus dois cães. Trazia um corpete forrado de seda vermelha que acentuava ainda mais a silhueta. A saia era curta… como sempre. Os seus passos largos e firmes pelo caminho evidenciavam as sandálias perfeitamente encaixadas nos seus pés delicados. Conseguia delinear ao pormenor a curva do tornozelo mesmo aquela distância. Já o conhecia de cor pelo tacto das minhas mãos.

Apago o cigarro na parede e prossigo, sem denunciar a minha presença, no encalço dos passos que em breve ficariam descalços de tamanha firmeza. Atrás dela os dois cães humanos conseguiam farejar o odor do perigo, mas sem darem comigo, continuavam. Eu sabia que eles me dariam tréguas e a deixariam por instantes sozinha. Eram seres que deviam alguma coisa á inteligência. Apesar da sua intuição ser apurada esses cães não a sabiam usar sabiamente. Ainda bem para mim.
Só assim poderia concluir o meu propósito.

Foi apenas por uns instantes em que a deixaram de ver mas foi o suficiente. Puxei a para aquele alpendre mergulhado na escuridão daquela rua que ambos conhecíamos tão bem. Por momentos resistiu pensando que fosse um qualquer. Olhei profundamente nos seus olhos castanhos agora mais calmos por me reconhecerem. Verti silenciosamente o veneno da garrafa escondida que trazia no bolso para a minha boca sedenta. Perante mim aqueles mesmos olhos castanhos olhavam me agora com um ar interrogativo. Sem dizer uma única palavra, sorri e beijei-a pela ultima vez. Tinha sido a minha ultima morte encomendada... desta vez por mim.